quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Caminho

Assim que se sai da casa da Tristeza – que adora fazer visitas, mas escolhe a dedo quem chama para morar com ela – à direita, subindo a rua, é possível ver a Negação cortando a grama de sua casa. Mais à frente a Raiva tateia no chão de sua varanda em busca de seus óculos. No alto da rua, mais umas tantas casas à frente, mora a Esperança. Essa aceita qualquer visita, há quem passe a vida encostado à sua varanda, sua casa é uma algazarra, ela não se preocupa em arrumar e não se importa que baguncem. Um pouco antes dela, uma casa de poucas janelas, de pouca mobília e de portas sempre fechadas. Lá, quase no meio do caminho entre a Tristeza e a Esperança, vive a Lucidez. Ela quase não sai de casa e recebe poucas pessoas, que chegam e saem muitas vezes sem nem passar da varanda, trocando apenas poucas palavras. Com ela, ninguém mora. Dizem que lá dentro o silêncio é tanto, que nem o Tempo, que já viveu com ela e é o mais paciente de todos, 
conseguiu ficar.

22 de novembro de 2017.


sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Espelho



Uma tristeza que, se fosse chuva, seria chuva fina

cada um de nós em sua ilha particular 
cercado por outras ilhas, 
fingindo que todos juntos somos continentes

barcos a remo 
esperando pelo vento que nunca vem

nada realmente faz sentido
mas as coisas são como são
fazendo sentido ou não
ostentando felicidade
ou nutrindo solidão

antes odiado em voz alta
que amado em silêncio
amargo silêncio

a parte de mim que morre
quando um amor morre
prova que jamais serei quem quero
sou quem o outro quer - é ele quem me vê
serei salvador, serei carrasco
amor ou desamparo
e se nunca serei quem imagino ser, 
de pouco adianta me defender

sou o espelho que não reflete a mim
reflito o olhar
de quem me aponta ou me abraça
me vê com a graça do começo
ou o rancor do fim


Agosto de 2017





quinta-feira, 15 de junho de 2017

Trecho de “Um balé em campo minado”


o tempo sopra no meu ouvido feito um fantasma
que me avisa sobre o espaço entre o início e o fim

...


e dançando sobre essa fina camada de gelo
nos despedimos, cansados dos nós
nós, bailarinos.



Trecho de “Um balé em campo minado”. 372 dias atrás.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Lugar algum

Em algum lugar de mim
me perdi.
não que seja possível me perder de mim mesmo,
infelizmente.
me perdi de tudo, do todo

Do alto da ravina,
não me parece caber o pulo
ainda que meu cansaço o grite
poderia contornar
e encontrar novas colinas
para então também contorná-las
poderia
mas me sento e respiro a brisa
me sento e sinto a terra
me sinto e assento a alma
e dali só o sonho me leva
já que as asas não tenho mais

Em algum lugar de mim
me perdi.
não que seja possível me perder de mim mesmo,
infelizmente.


Junho de 2017.

sexta-feira, 10 de março de 2017

O posso e o poço

Em que medida
não somos nós a falha?
Em que medida não somos nós
que transformamos a vida 
nesse emaranhado de caminhos que não se cruzam
em viagens só de ida

Nós, vivos, perecemos
e nos despedimos
flores já despetaladas dizendo adeus
àquelas que o vento abraçou

Nossa imensidão se encerra 
na caixa de nossas próprias crenças
porque no fim, o que irá nos resumir?
somos o tanto que deixamos 
o tanto que recebemos
ou o tanto que negamos?
seremos, então, a chegada 
ou a despedida?

                                                     Novembro, 2016.